segunda-feira, setembro 02, 2013

Porque o Metal não é só sombra



Era uma noite que se entitulava de “Sombra”, mas que sob o feitiço da lua se previa que brilhasse. Uma noite quente, sem réstia de brisa, como há muito Lisboa não presenciava. Tendo os jardins da Torre de Belém como palco e o Rio Tejo como pano de fundo, o espectáculo prometia o factor surpresa tanto para os habituais fãs como para os menos metaleiros. As versões acústicas de sons habitualmente agressivos dos Moonspell, a mistura de estilos e de artistas (Mestre António Chaínho e Madre Deus), a entrega ao choro lusitano e ao saudosismo lisboeta. Um espectáculo de encerramento das festas de Lisboa em jeito de despedida e um piscar de olhos ao público de todas as idades.

Ansiava por este concerto, mais do que pelos dois anteriores, pois já sabia o que me aguardava. Ou talvez não.

As músicas já conhecidas foram surgindo, mas com a entrada do Mestre António Chaínho, a teu lado, os meus ouvidos receberam pela primeira vez, ao vivo e a cores, o arrepio das cordas do mestre que tu humildemente acompanhavas, e nos meus olhos penetrava uma imagem que não sei se de filme se de sonho, pois já não era ali que estava.

A minha memória Polaroid levou-me àquele miúdo reservado que durante as aulas invadia a minha carteira com bilhetinhos, com quem fazia gazeta às aulas de ginástica ficando nos colchões do ginásio a partilhar aventuras e desventuras, enquanto lá fora os outros jogavam voley ou corriam à volta do campo. O mesmo miúdo que não fazia a mínima ideia do que fazer no final do 12º ano, e que não aparentava a mínima intenção de se candidatar a qualquer tipo de faculdade enquanto nós, os “certinhos”, andávamos atarefadíssimos atrás da média necessária para entrar neste ou naquele curso, demasiado preocupados com as décimas e centésimas e milésimas que nos pudessem comprometer o futuro. Num qualquer rasgo de clarividência, cliquei no “pause” de toda aquela correria, fixei-te de longe ao balcão do “Borges” e pensei “este puto ainda vai longe, mais longe do que qualquer um de nós”. Todos achávamos que sabíamos perfeitamente o que queríamos e para onde íamos, tu eras o único que parecia perdido, sem norte, sem futuro, e talvez por isso desejava o teu sucesso, mais do que a qualquer outro.

Perdi-te o rasto, nem sei bem porquê.
Vinte anos depois vim a saber, num daqueles jantares de antigos alunos patrocinado pelos encontros das novas tecnologias, que andavas em digressão, e que recentemente tinhas pisado o palco do Rock in Rio. Vi o concerto na íntegra, em directo na televisão e não te reconheci. Como poderia eu saber? Aquela longa cabeleira não existia há 20 anos atrás e impossibilitava-me de reencontrar aquele sinal no rosto que eu tanto gostava e que te distinguia dos demais.

Agora, neste cenário magnífico à beira rio, num misto de estilos e sons, esta imagem daquele menino ao lado do grande mestre da guitarra portuguesa, enche-me o coração de orgulho e surge-me a epifania: “eu sabia que tu ias conseguir”.

Conheço-te o suficiente para saber que não dás asas ao protagonismo, que és demasiado reservado para te considerares uma estrela, mas para mim foste a estrela que brilhou mais forte, nessa noite e não só. Quantos de nós daquela turma de secundário têm o prazer de fazer aquilo que gostam, sendo que aquilo que fazes é o sonho de qualquer adolescente? Quantos têm o prazer de percorrer os palcos do mundo, de encantar multidões e sentir a euforia dos fãs num tão aguardado concerto?  Quantos de nós têm o seu nome na lista dos “21 melhores guitarristas do mundo”? Quantos sabem o que se sente quando te pedem um autógrafo ou só mais uma fotografia? Para ti é um exagero, porque não te reconheces nesse vedetismo, mas só o facto de haver alguém, um único desconhecido (sim, porque amigos e familiares não contam) que te admira e reconhece o teu trabalho a esse ponto, só isso já é um grande feito.

Sei que o caminho foi longo e sinuoso, e que a procissão ainda vai no adro. Sei que por vezes as ausências prolongadas e o afastamento necessário daqueles que amas te enchem de saudades que tanto te esforças para enganar. Sei que a vida de músico/artista não é um mar de rosas, aliás, a haver flores na tua história só podiam ser Scorpion Flowers. Mas assim ainda tem mais valor.

Tive a felicidade, para não dizer uma sorte do catano, de ter sido tua colega, tua amiga, tua confidente, e tenho hoje em dia o enorme privilégio de te reencontrar carregadinho de luz! Porque o Metal não é só Sombra.


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